terça-feira, 30 de março de 2010

Besouro Mangangá

Besouro Mangangá

A palavra capoeirista assombrava homens e mulheres, mas o velho escravo Tio Alípio nutria grande admiração pelo filho de João Grosso e Maria Haifa. Era o menino Manuel Henrique que, desde cedo aprendeu, com o Mestre Alípio, os segredos da Capoeira na Rua do Trapiche de Baixo, em Santo Amaro da Purificação, sendo batizado como Besouro Mangangá por causa da sua flexibilidade e facilidade de desaparecer quando a hora era para tal.

Negro forte e de espírito aventureiro, nunca trabalhou em lugar fixo nem teve profissão definida.

Quando os adversários eram muitos e a vantagem da briga pendia para o outro lado, "Besouro" sempre dava um jeito, desaparecia. A crença de que tinha poderes sobrenaturais veio logo, confirmando o pmotivo de ter ele sempre que carregar um "patuá". De trem, a cavalo ou a pé, embrenhando-se no matagal, Besouro, dependendo das circunstâncias, saia de Santo Amaro para Maracangalha, ou vice-versa, trabalhando em usinas ou fazendas.

Certa feita, quem conta é o seu primo e aluno Cobrinha Verde, sem trabalho, foi a Usina Colônia (hoje Santa Eliza) em Santo Amaro, conseguindo colocação. Uma semana depois, no dia do pagamento, o patrão, como fazia com os outros empregados, disse-lhe que o salário havia "quebrado" para São Caetano. Isto é: não pagaria coisa alguma. Quem se atrevesse a contestar era surrado e amarrado num tronco durante 24 horas. Besouro, entretanto, esperou que o empregador lhe chamasse e quando o homem repetiu a célebre frase, foi segurado pelo cavanhaque e forçado a pagar, depois de tremenda surra.

Misto de vingador e desordeiro, Besouro não gostava de policiais e sempre se envolvia em complicações com os milicianos e não era raro tomava-lhes as armas, conduzindo-os até o quartel. Certa feita obrigou um soldado a beber grande quantidade de cachaça. O fato registrou-se no Largo de Santa Cruz, um dos principais de Santo Amaro. O militar dirigiu-se posteriormente à caserna, comunicando o ocorrido ao comandante do destacamento, Cabo José Costa, que incontinente designou 10 praças para conduzir o homem preso morto ou vivo.

Pressentindo a aproximação dos policiais, Besouro recuou do bar e, encostando-se na cruz existento no largo, abriu os braços e disse que não se entregava. Ouviu-se violenta fuzilaria, ficando ele estendido no chão. O cabo José chegou-se e afirmou que o capoeirista estava morto. Besouro então ergueu-se, mandou que o comandante levantasse as mãos, ordenou que todos os soldados fossem e cantou os seguintes versos:

Lá atiraram na cruz
eu de mim não sei
se acaso fui eu mesmo
ela mesmo me perdoe
Besouro caiu no chão fez que estava deitado
A polícia
ele atirou no soldado
vão brigar com caranguejos
que é bicho que não tem sangue
Polícia se briga
vamos prá dentro do mangue.

Sempre envolvido em brigas , Besouro por muitas vezes tomava partido dos fracos contra os proprietários de fazendas, engenhos e policiais. Empregando-se na Fazenda do Dr. Zeca, pai de um rapaz conhecido por Memeu, Besouro foi com ele às vias de fato, sendo então marcado para morrer.

Homem influente, o Dr. Zeca mandou pelo próprio Besouro, que não sabia ler nem escrever, uma carta para um amigo seu, administrador da Usina Maracangalha, para que liquidasse o portador. O destinatário com rara frieza mandou que Besouro esperasse a resposta no dia seguinte. Pela manhã, logo cedo, foi buscar a resposta, sendo então cercado por cerca de 40 soldados, que incontinente fizeram fogo, sem contudo atingir o alvo. Um homem entretanto, conhecido por Eusébio de Quibaca, quando notou que Besouro tentava afastar-se gingando o corpo, chegou-se sorrateiramente e desferiu-lhe violento golpe com uma faca de ticum.

Manuel Henrique, o Besouro Mangangá, morreu jovem, com 27 anos, em 1924, restando de seu legado, além das histórias fantásticas de seus feitos, dois dos seus alunos Rafael Alves França, Mestre Cobrinha Verde e Siri de Mangue que seguiram fazendo história na Capoeira..

Hoje, Besouro é símbolo da Capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela bravura e lealdade que sempre dedicou com relação aos fracos e perseguidos pelos fazendeiros e policiais.